Talvez a questão do tempo seja um dos aspectos mais enigmáticos de que se tem conhecimento. Ora queremos que passe, perante o gélido frigorífico da vida, ora queremos que fique, sem restrições ou atrasos, quando nos vemos presos no carnaval das conquistas, enfeitado dos confetes de vitórias e serpentinas de passos dados. Somos mais injustos com o tempo do que imaginamos... Com meus seis, sete anos, rezava comigo mesmo para que o tempo voasse, que já queria ser como os grandes. Exigimos muito dessa ferramenta que tomamos como convenção para o bem estar dos fluxos da vida. Ao me lembrar do que passou, contudo, não acho tarefa árdua optar, se pudesse, pelo fim de todos os futuros anos de alegrias e tristezas, em troca de mais um punhado de venturas com aquele grupo de amigos do Colégio Pedro II. O terceiro ano é difícil e cruel para os que estão saindo. Parece empurrar com sua barriga pontiaguda de três estrelas os jovens, que devem se colocar para fora, teoricamente já cidadãos, e encarar o mundo. Invertem-se os papéis: sou novo demais para tudo isso. Quero a mãe que o Colégio Pedro II foi para mim desde os seis anos de idade... Quero permanecer nas costas dela, a passear pelas estradas de luta, ciência e devaneios, protegido pelo abrigo do colégio.
O sonho da universidade e da liberdade se aproxima, com sua fantasia de corpo inteiro e máscara, para tomar o lugar do paternalismo e dos tempos de ensino de base. Uma pena que não se pode ver o rosto do monstro que se aproxima! Será bondoso? Será envolto de saudade? Basta lutar pela sua vinda. Ouviu-se uma vez que “a vida não será fácil, mas valerá à pena”. Cabe acreditar e optar pelo valer.
Talvez minha primeira grande saudade seja o fim do Colégio Pedro II. Os primeiros amigos, a primeira namorada, o sonho de ser escritor, as diretrizes de pensamento, as primeiras aspirações e anseios, os passeios constantes pelos corredores... Foi o lugar que, desde meus tempos de menino, me direcionou a cidadania e ao entendimento de parte da vida. Agora é comigo. Que responsabilidade! Talvez eu não queira arcar com isso, ainda que eu saiba que é preciso. A certeza de alegria está lá! Até quando vale arriscar pelo incerto que está por vir?
Talvez eu queira ficar...
Tempo gordo, aposentado e brincalhão, o que fará com os amigos? O que será do quadro gasto, dos professores e suas palavras balbuciadas, dos jogos de carta, cantorias, farras, manifestações, sorrisos, o hino do colégio em uníssono? Somos tão injustiçados quanto o senhor, seu Tempo! Que se conservem as boas lembranças... E o impulso louco de cantar a Tabuada no fim de festinhas!
Tá acabando... Um obrigado sincero aos professores de vida, amigos e genuínos, que encontrei por lá, e pela aura rica de alegria do colégio. As três estrelas pulsam na alegria de ser Pedro II. Todo tipo de gente, com visões únicas da vida, lá eu encontrei. Fiz parte do laço instransponível que se dá no Pedro II. O dia a dia com o uniforme, as punições por usar a meia ou calça errada, os passeios e programas solidários, a união inigualável dos alunos. Talvez eu e muitos outros já tenhamos vivenciado as verdadeiras experiências de vida, aquelas que vêm com o passar dos anos, com o nível superior, com as conquistas acadêmicas. Por meio de pretos, brancos, amarelos, vermelhos, pobres, ricos, e de múltiplas personalidades miscigenadas, foi possível tirar a verdadeira lição de vida que muitos tanto procuram. Não tivemos as melhores salas, instalações, laboratórios. Mas tivemos o sorriso sincero dos professores, aquele sorriso em falta nas pessoas. É gosto para os professores darem aula lá. É gosto para nós aprendermos perante a ausência de facilidades, ou por meio das facilidades que nós mesmos construímos, através da união e do amor, da amizade e do bem querer mútuo. Quero que meus filhos estudem lá.
Pouco menos de um mês...
Vale sorrir porque aconteceu. E a marcha para a vida continua. Agora como plenos cidadãos!
“uma das mágoas que eu tenho na vida é a de não ter sido, na minha infância ou juventude, aluno do pedro II. andei por colégios mais lúgubres do que a casa do agra. mas há, em mim, até hoje, a nostalgia de não ter estudado ou fingido que estudava lá. a rigor, não são os professores que me interessam no pedro II. nem os seus problemas de ensino. o que me deslumbra no aluno do pedro II não é o estudante, mas o tipo humano. ele deve ser um mau aluno (tomara que seja), mas que natureza cálida, que apetite vital, que ferocidade dionisíaca. olhem para as nossas ruas. em cada canto, há alguém conspirando contra a vida. não o aluno do pedro II. há quem diga, e eu concordo, que ele é a única sanidade mental do brasil. e, realmente, não há por lá os soturnos, os merencórios, os augustos dos anjos. os outros brasileiros deveriam aprender a rir com os alunos do pedro II."
Nelson Rodrigues
Texto de Lucas Gibson